Areia


Engenho Carro

Da casa grande, no ponto mais alto das propriedades, senhores de engenho observavam a movimentação de escravos e faziam planos de escoamento da produção de rapadura para grandes centros comerciais da época. No interior dos engenhos, calor, suor, fumaça e exploração de mão-de-obra. Hoje, quase 120 anos depois, cenários, personagens e história permanecem ali, entre as paredes firmes dessas construções seculares e a narrativa de guias, moradores e atuais proprietários dessas fazendas. Estamos na zona rural do município de Areia, distante cerca de 120 quilômetros da Capital João Pessoa, onde arquitetura e memória se unem para promover o turismo, aquecer o comércio e fortalecer o respeito ao patrimônio da Região.
Principal município do Brejo paraibano, Areia chegou a reunir mais de cem engenhos de cana-de-açúcar. Hoje esse número não ultrapassa 30 dessas construções. O Engenho Mineiro, construído em 1880, é um desses resistentes. Seguindo o modelo estrutural padrão dos engenhos da época, o imóvel vem sendo mantido pela família de atuais proprietários com o máximo de fidelidade possível às primeiras instalações. Construído com tijolos maciços e telhado parcialmente coberto de palhas, o engenho ostenta agora uma moenda elétrica, feita em aço, trazida da Inglaterra em carros de bois. Para permanecer em pleno funcionamento, o prédio recebeu proteção nas paredes para a energia e parte do telhado de palha precisou ser trocado por telhas, após um incêndio. "Apesar disso, a estrutura em si é toda do século passado", enfatiza Gutemberg Barreto, que administra junto ao pai, Haroldo, a propriedade.
Testemunha dos vários ciclos agrícolas vividos no Nordeste brasileiro, hoje a construção histórica, com traços do período colonial, resiste ao tempo e ainda produz rapadura pura, sem ingredientes complementares. Na parte superior, a moenda inglesa. Abaixo, tachos de cobre onde é depositado, por gravidade, o mel da cana que se transformará no doce mais tradicional do Nordeste. As varas com latas em substituição às cabaças para mexer o caldo também estão lá, testemunhando o desenvolvimento das técnicas de produção.
Na casa grande, totalmente conservada, história e memória se encontram harmonicamente. Cômodos amplos, varanda com arcos trabalhados e interior com móveis antigos concordam com o clima de valorização do patrimônio familiar, arquitetônico e cultural. Grandes janelas permitem tanto a entrada de luz natural como de ventilação necessária para os dias de calor.
A poucos quilômetros dali, ainda na região rural de Areia, outra fazenda chama a atenção pela beleza arquitetônica. Com 400 hectares de área, a Várzea do Coaty foge ao conceito tradicional de engenhos do final do século XIX e início do século XX em vários aspectos. Primeiro, a casa grande foi construída em um nível mais baixo que o engenho. Isso porque, segundo o proprietário Alexandre Magno, quando decidiu construir a nova casa, em 1920, seu avô Duarte de Melo optou por aproximar o imóvel mais da chamada bodega do que do engenho. "Isso foi na época do ciclo do café, quando meu avô decidiu fazer uma casa digna de senhor de engenho. Ele percebeu que a bodega trabalhava o ano inteiro e o engenho dependia da colheita da cana. Meu avô, então, fez a construção próxima a quem produzia mais", conta Alexandre, que hoje produz uma rapadura aerada, ao leite, bastante valorizada no mercado.
Para isso, ainda segundo Alexandre, o então proprietário foi em busca de um engenheiro responsável pela instalação no município de Alagoa Grande, vizinho a Areia. Na apresentação do projeto ao senhor de engenho, o especialista britânico sugeriu ao proprietário o uso de um produto novo no mercado: era o cimento, que foi usado provavelmente pela primeira vez em um imóvel da região, em Várzea do Coaty. "Ele convenceu meu avô a usar o cimento e por isso as paredes desta casa são mais finas do que em outras edificações desse mesmo período", explica Alexandre.
Na entrada da casa grande, traços da arquitetura colonial e imponência na construção. Escadarias em duas vias e detalhes na fachada demonstram o capricho do projeto. No interior do imóvel, teto em forro de madeira – raridade à época – com aberturas para ventilação e pinturas ornamentais no alto da parede da sala de estar. Outras peculiaridades estão no jardim interno – hoje chamado jardim de inverno – e um piso trabalhado trazido pelo avô-proprietário, do Recife. "Ele encontrou esse piso em uma igreja que tinha feito o pedido e nunca tinha usado. Ele, então adquiriu o material do padre e isso chamou a atenção dos vizinhos, que vinham até a casa para ver o piso", detalha o neto.
A fazenda Várzea do Coaty foi construída em 1863, mas a casa edificada pelo Senhor Duarte de Melo foi iniciada em 1920 e terminada quatro anos depois. Apesar de pertencente ao século XX, o imóvel possui traços ainda do século anterior. Até os móveis usados para ornamentar os cômodos são cuidadosamente dispostos e conservados para dar um ar histórico. Como curiosidade, Alexandre mostra o que antes era o chamado caritó, quarto onde as moças não casadas só tinham acesso para saída passando por outro quarto, geralmente dos pais. O antigo caritó, agora, já tem acesso próprio, depois de uma adequação.
Preservação em Museu
Sem adequação ou qualquer respeito pelo patrimônio histórico e arquitetônico, à beira do caminho entre o Mineiro e o Várzea do Coaty não é difícil encontrar o que restou de alguns grandes engenhos da região. Um deles, o Ipueira, está praticamente em ruínas. Há outros tantos como ele, e outros mais ainda desaparecidos, consumidos pelo descaso e pelo tempo.
Nadando contra a maré do abandono, uma fazenda especial em Areia guarda um conjunto valioso de elementos históricos e de cultura popular. É na Várzea, onde está instalado um dos campi da Universidade Federal da Paraíba, que está o Museu da Rapadura – verdadeiro engenho movido a força animal reproduzido com fidelidade e ousadia.Como não poderia deixar de ser, o Museu da Rapadura está dividido entre a casa grande, ao alto, e o engenho, mais abaixo. Dentro deste segundo edifício há um acervo de objetos da época áurea da cana como os pães-de-açúcar (utensílios portugueses utilizados para guardar e depurar o caldo da cana) e a enorme moenda própria para ser movida por tração animal. Na casa grande, alguns móveis do estilo colonial completam o conjunto. Hoje, graças a iniciativas de proprietários e instituições públicas, visitantes e turistas podem descobrir que em cada parede alargada, em cada tacho de bronze, em cada moenda e em cada cômodo da casa grande há um doce saber de história, memória e valorização do patrimônio arquitetônico-cultural da Paraíba e do Brasil.
Lista de todos os engenhos que existiram no município de Areia ao longo dos tempos, ao todo foram 120 engenhos:
Alagoinha, Almécega, Angelim, Araticum, Barra do Câmara, Barra do Quati, Bela Vista, Boa Vista, Boa Vista do Narciso, Bolandeira, Bom Retiro, Bondó de Cima, Bondó de Baixo, Bonfim, Bruxaxá, Bujari, Bujari de José Correia, Cachoeira, Cacimbinha, Caiana, Caiana de Franklin, Cajueiro, Cajueiro (Escarlate I), Canadá, Candiota, Carrapateira, Carro, Cepilho, Cipó, Chã do Jardim, Coqueiro, Covão (Santa Isabel), Cumbe, Deserto, Engenho do Meio (Bujari), Escarlate II, Escondido, Estreito, Fechado de Cima, Floresta (Timbozinho), Frexeiro, Gameleira, Gitó, Gogó, Gravatá Açu, Grutas de Cobras, Grutão, Guarany (Senhor do Bonfim), Guarim, Ipueira Grande, Ipueira de J. Branco, Ipueira de Osvaldo Pina, Ipueira de São João, Ipueirinha, Japaranduba, Jardim, Jatobá, Jussara, Jussarinha, Lajinha, Lameiro, Laranjeiras, Lavapés, Lino, Macacos, Macaíba I, Macaíba II, Maçaranduba, Mandaú, Marzagão, Mata Limpa de Baixo, Mata Limpa de Cima, Marcês (Caipora), Mineiro, Mundo Novo, Mufumbo, Mufumbinho, Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora das Graças (Buraco), Novo, Olho d'Água de Baixo, Olho D'Água, Olho d'Água dos Cavalos, Olho d'Água do Meio, Pacas, Panelas, Patrício, Pau d'Arco, Pau Ferro de Baixo, Pau Ferro de Cima, Pedregulho, Pindoba, Pitombeira, Quati, Quebra, Riachão, Riacho de Facas, Rio Branco (Tiborna), Saboeiro, Saburá, São Benedito, São Francisco, São João (Sítio Riachão), São José do Bonfim, São José, São José de M. Maia, São Luiz, São Pedro (do Mofo), São Sebastião, São Vicente (Riachão), Santa Helena (Fechado), Santa Irene (Marzagão d'Água), Santa Isabel (Várzea Nova), Santa Tereza (Coruja), Sapucaia, Socorro, Tapuio, Timbaúba I, Timbaúba II, Timbaúba de A. Costa, Timbó, Triunfo, Vaca Brava de Baixo, Vaca Brava de Cima, Vaca Brava do Meio, Várzea, Várzea do Carrapato, Várzea do Coaty e Viração.

3 comentários:

  1. Rico arquivo e historia dos engenhos de nossa paraiba, principalmente de nossa Brejo de Areia!

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  2. Eu nasie no engenho fechado do senhor severino gonsalo no ano de 1958 meu si chamava Norberto gonzaga .eu vivo em são Paulo a 43 anos tenho muita saudade.

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  3. Bom Dia! Por favor, onde eu poderia encontrar informações sobre a História do Engenho Guarim? Encontrei no assento de casamento do ano de 1897, de Maria de Vasconcelos Câmara, filha de Inocêncio Dias Ferreira e Josefa Câmara de Vasconcelos que eles eram "naturais do Guarim". Busco informações sobre esses Vasconcelos. Desde já agradeço qualquer informação.

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